Contexto

Exemplos de tradições construtivas de diferentes regiões, do livro Inquire Within, c. 1900
Figura 1: Exemplos de tradições construtivas de diferentes regiões, do livro Inquire Within, c. 1900
Cabanas primitivas segundo Samir Younés
Figura 2: Cabanas primitivas segundo Samir Younés

Os sistemas construtivos tradicionais de todos os povos do mundo usam materiais predominantemente locais, pouco processados, e saberes empíricos lentamente refinados, privilegiando estruturas portantes à compressão. Esse processo resulta em arquiteturas com marcada identidade local. Dentro de uma ampla gama de variações regionais e culturais (fig. 1), a construção tradicional converge para certos padrões universais que respondem a necessidades de durabilidade, conforto ambiental e funcional, e estética. Além disso, preservar os conhecimentos construtivos tradicionais é especialmente relevante numa perspectiva de justiça social e ambiental, fomentando cadeias locais de técnicos qualificados e promovendo um processo produtivo ecológico e autogestionado.

Como alegoria da cabana primitiva enquanto princípio teórico de uma construção elementar mínima (fig. 2), a edícula vernácula é a concretização desse princípio condicionada pela realidade material, climática e cultural de um determinado lugar.

Tipos de edículas e casas unitárias do Mediterrâneo e suas derivações, segundo Caniggia e Maffei, Lettura dell’edilizia di base, tav. 11
Figura 3: Tipos de edículas e casas unitárias do Mediterrâneo e suas derivações, segundo Caniggia e Maffei, Lettura dell’edilizia di base, tav. 11

Neste trabalho, continuamos a explorar a cultura construtiva do Mediterrâneo ocidental, origem e raiz da arquitetura tradicional luso-brasileira. Nessa região, a forma elementar da casa é uma sequência de células em alvenaria (fig. 3) junto a um eirado privativo. Em Portugal, esse tipo é conhecido como “morada de casas”. A disposição dessas células responde à orientação solar (exposição preferencial ao sul) e ao aproveitamento do espaço disponível. Vamos, então, construir uma morada de casas básica dentro de um lote na antiga cidade romana de Ammaia (fig. 4).

Revise o contexto geográfico e histórico de Ammaia na ementa da Atividade de Nivelamento: Traçado regulador.

Os lotes de Ammaia eram baseados no módulo colonial romano de 17,7 metros. Essa dimensão era suficiente para conter uma pequena casa rural com seu eirado ou uma casa urbana com átrio central. O módulo do lote era baseado na medida do pé romano, de 29,5 centímetros, perfazendo 60 pés de lado para cada lote. O pé romano pode, por sua vez, ser facilmente convertido para o palmo do sistema de medidas tradicionais portuguesas:

  • 1 pé romano = 29,5 centímetros;
  • 3 pés = 4 palmos;
  • Testada modular do lote = 17,7 metros = 60 pés = 80 palmos;
  • 1 palmo ≈ 22,1 centímetros;
  • 1 braça (medida urbanística) = 10 palmos ≈ 2,21 metros.
Reconstituição do tecido urbano da cidade de Ammaia na sua máxima extensão, século IV d.C.
Figura 4: Reconstituição do tecido urbano da cidade de Ammaia na sua máxima extensão, século IV d.C.

Ementa

Construa a maquete de uma morada de casas formada por três células cobertas com açoteia, um alpendre e um eirado, dentro de um dos lotes propostos na cidade de Ammaia.

A edificação deve demonstrar fundações, um sistema construtivo de paredes portantes (alvenaria estrutural), um sistema arquitravado (colunas ou esteios, vigas, caibros e telheiro), e um assoalho (cobertura plana com barrotes, terraço e platibanda). A composição deve evidenciar, também, domínio das proporções como instrumentos de composição.

Os lotes serão distribuídos para a turma dentro do setor delimitado nos quarteirões a leste do fórum e das termas, conforme a planta da fig. 5.

Lotes em Ammaia a serem atribuídos neste trabalho, com as divisas das bases
Figura 5: Lotes em Ammaia a serem atribuídos neste trabalho, com as divisas das bases

A figura acima foi modificada em 3 de abril de 2024.

Programa

As células da casa não têm programa de necessidades definido. Elas devem ser proporcionadas e compostas de modo a poder abrigar indiferentemente as atividades do cotidiano, sejam estas de caráter doméstico, produtivo, ou comercial. Os sistemas construtivos devem ser coerentes com a tradição construtiva do Mediterrâneo ocidental.

Conteúdo

  • As células devem ter entre 15 e 30 palmos em cada dimensão interior;
  • O vão livre estrutural das células é de 25 palmos;
  • O alpendre deve ser adjacente ao lado maior do retângulo, com 12 palmos ½ de profundidade, ter exposição ao sul e cobertura em meia-água;
  • A cobertura das células será uma açoteia com estrutura de assoalho em madeira revestida externamente com um contrapiso e delimitada por uma platibanda;
  • A açoteia deve ser acessada por uma escada exterior em alvenaria;
  • As aberturas não devem ser vedadas com folhas, persianas, vidraças ou qualquer outra obstrução rígida;
  • O piso interior deve ser diferenciado do chão do eirado em nível e em revestimento;
  • Cada parede meeira é compartilhada entre os dois lotes adjacentes, com metade da sua espessura em cada lote;
  • Se a casa não ocupar toda a testada do lote, esta deve ser delimitada com uma parede baixa;
  • A casa deve ter uma decoração simples, baseada no detalhamento construtivo.

Apresentação

A seção abaixo foi modificada em 3 de abril de 2024.

Uma maquete física em escala 1:50 mostrando todos os elementos construtivos da morada, inclusive descascando os revestimentos das paredes, teto e terraço para mostrar o miolo da construção.

  • A maquete deve mostrar a amarração da alvenaria, a camada de revestimento sobre esta, e todos os elementos que constituem a estrutura do assoalho;
  • A maquete pode ter partes removíveis para melhor visualização dos seus elementos construtivos;
  • Maquetes vizinhas devem coordenar entre si a representação da parede meeira;
  • Cada maquete deve ser inserida numa base em papel Paraná que, além do lote atribuído, deve se estender até metade da largura das ruas que o confrontam, ou até a borda do mapa, se for o caso;
  • Representar na base da maquete a topografia indicada na planta de locação — as bases de todas as maquetes devem partir da curva de nível mais baixa no mapa da fig. 5, e cada curva de nível deve corresponder a uma folha de papel Paraná de 1 mm.

Ver mais indicações de construção e apresentação no croquis da fig. 6.

Diretrizes de implantação das moradas de casas nos lotes de Ammaia
Figura 6: Diretrizes de implantação das moradas de casas nos lotes de Ammaia

Avaliação

A avaliação contemplará de forma holística o seu desempenho e evolução nos quesitos abaixo, ao longo de todo o processo de elaboração do trabalho e de orientação com a equipe docente, enfatizando o resultado desse processo no produto final, bem como a sua evolução com respeito aos trabalhos anteriores.

Pesquisa

  • Você estudou as notas de aula e as leituras obrigatórias desta Unidade para compreender os princípios gerais da construção tradicional;
  • Você pesquisou exemplos reais de construções vernaculares do Mediterrâneo ocidental, tanto na bibliografia da disciplina (básica e complementar) quanto em outras referências técnicas e acadêmicas com credibilidade;
  • Você escolheu sistemas construtivos arquitravados (assoalho e alpendre) e murários (fundações, paredes e suas aberturas) coerentes entre si e com o propósito desta Unidade e atividade, que é estudar as construções vernáculas tradicionais.

Conteúdo

  • Você trabalhou nesta atividade durante todo o horário da aula (exceto durante as aulas expositivas) e pediu orientação à equipe docente sempre que necessário; (oriente pelo menos uma vez por aula, para garantir a presença!)
  • Você demonstrou domínio da realidade construtiva na tradição do Mediterrâneo ocidental, aplicando-a de modo coerente e bem proporcionada, deixando evidente na maquete a sua compreensão de como uma estrutura tradicional fica de pé;
  • Você atendeu aos requisitos explícitos desta ementa bem como ao espírito geral desta disciplina.

Apresentação

  • Você respeitou a escala e as indicações de materiais e representação pedidas nesta ementa;
  • Você realizou a maquete com capricho e elegância, escolhendo materiais e técnicas apropriados para transmitir as informações necessárias com clareza;
  • A maquete é sólida e fácil de manipular e se encaixa no espaço previsto para tanto na base.

Referências

As referências indicadas abaixo devem ser usadas como ponto de partida para uma pesquisa mais aprofundada. Elas podem ser encontradas no acervo físico ou digital das bibliotecas da UnB, nos links indicados na referência, ou ainda na área de arquivos do Moodle.

Adam, Jean-Pierre. L’arte di costruire presso i Romani. 2. ed. Biblioteca di archeologia 10. Milano: Longanesi, 1990.
Agostini, Ilaria, e Daniele Vannetiello. “La casa rurale nel territorio di Mértola: studio tipologico”. Arqueología medieval, no 6 (1999): 269–78. https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/3662.
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Caniggia, Gianfranco. “Analisi tipologica: la corte matrice dell’insediamento”. Em Ragionamenti di tipologia: operatività della tipologia processuale in architettura, 59–107. 1981. Reprint, Firenze: Alinea, 1997.
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