Por que estudar arquitetura tradicional em pleno século XXI? A resposta a essa pergunta muda sem parar desde que a História começou a ser ensinada nos cursos de Arquitetura, uns duzentos anos atrás. Para o historiador francês Ivan Jablonka, “o passado é um país estrangeiro”. O que se estuda como sendo história, portanto, é algo que não tem relação direta com as práticas da atualidade. Isso vale também para a história da arquitetura. No século XIX, as cadeiras de história nas escolas de Belas-Artes serviam para mostrar estilos distantes da prática e da vivência dos alunos. Quando essas escolas ensinavam a fazer arquitetura clássica, o que se estudava como história era a arquitetura não clássica, sobretudo da Europa medieval. Depois da II Guerra Mundial, o modernismo começou a tomar conta dos cursos de arquitetura, e o clássico também virou história.

Quase todas as escolas de arquitetura do mundo, inclusive a FAU–UnB, rezam por essa cartilha até hoje. A separação completa entre um conteúdo histórico e um conteúdo contemporâneo — projeto e tecnologia — tem o seu valor. Foi graças a isso que a História da Arquitetura passou a ser um campo de pesquisa autônomo, capaz de fazer uma crítica do conhecimento vigente. Nesse paradigma, a teoria “serve” para orientar o projeto, e a história “serve” para fazer crítica histórica, de modo totalmente compartimentado. Desse ponto de vista, o conteúdo das nossas disciplinas de história da arquitetura é importante e legítimo por si mesmo.

Mas os períodos de crise colocam a teoria em xeque e ressaltam a relevância do questionamento crítico que a história oferece para a disciplina da arquitetura como um todo. No século XXI, a arquitetura está enfrentando três crises ao mesmo tempo.

A primeira é uma crise ambiental:

a indústria da construção é responsável por 40 % das emissões de gases de efeito estufa. A maior parte disso vem da produção de cimento e, em segundo lugar, de aço. Muitos dos componentes construtivos que são vendidos como “sustentáveis” têm uma vida útil muito curta e acabam virando lixo tóxico.

A segunda é uma crise de resiliência:

as cidades contemporâneas são planejadas a partir de índices socioeconômicos abstratos e dependem de cadeias produtivas globais. O resultado são projetos impostos de cima para baixo, inadequados ao clima ou às necessidades locais, e que só podem ser mantidos por sistemas de gestão cada vez mais complexos e mais vulneráveis a desastres.

A terceira é uma crise identitária:

cada vez mais saberes e modos de vida diferenciados se perdem na concentração do poder político e pela padronização global das cadeias produtivas. As revistas e sites de arquitetura contemporânea participam dessa uniformização, às vezes até comoditizando as tradições regionais como objetos de consumo global.

Cada uma dessas três crises mostra um problema com o paradigma dominante da arquitetura contemporânea. São esses três problemas que aproximam o conteúdo crítico na disciplina de TAU 0005 dos desafios contemporâneos da arquitetura. Cada crise é a motivação para um dos nossos objetivos de aprendizagem. Esses objetivos resgatam lições da arquitetura tradicional para alcançar um processo produtivo verdadeiramente sustentável da construção, a organização de espaços e ambientes resilientes, e a articulação de experiências culturalmente significativas.

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