Procedimentos arquitetônicos

Fractal

  • Repetições de elementos estruturalmente semelhantes, mas não idênticos;
  • Passo a passo generativo;
  • Preserva a estrutura dos estágios anteriores;
  • Quando necessário, replica e colapsa a ideia da passagem do tempo num projeto;
  • Linguagem de padrões é materialista: importa o efeito e o desempenho, não a justificativa teórica;
  • Planejamento holístico e literato.

Liminaridade

Elementos de composição clássica segundo J. François Gabriel:Classical Architecture for the Twenty-First Century.

  1. Muros e padrões
  2. Rampas, degraus e arquibancadas
  3. Fossos, taludes e torres
  4. Anteparos
  5. Limiares e passagens
  6. Colunatas e arcadas (como elementos de separação)

Posicionamento

Buras, The Art of Classic Planning.

  1. Sobreposição
  2. Sequência
  3. Axialidade
  4. Hierarquia

Restrições

Restrito é fácil, livre é difícil.

Malhas espaciais

Há momentos e lugares em que é dada uma maior ênfase em soluções intrinsecamente mais flexíveis e genéricas, que podem ser aplicadas a diferentes contextos e casos concretos, conforme necessidade. Ilustra-se com os chamados “refúgios” persas, que formam uma malha genérica personalizada com diversos padrões a serem reproduzidos, abrigando usos diversos. Destaca-se que os arquitetos modernos do Team X adotam essa ideia da malha espacial contínua e personalizada no pós-guerra, para reformular a arquitetura modernista.


Complexo habitacional de Dhishīr, província de Yazd, Irã. Diagramas por Hatef Naiemi, 2018
Figura 1: Complexo habitacional de Dhishīr, província de Yazd, Irã. Diagramas por Hatef Naiemi, 2018

Continuidade

Classes de construções

O Yingzao fashi prevê oito classes de construções baseadas na hierarquia social e nas dimensões necessárias para diferentes propósitos. Essa hierarquia se reflete na altura das arquitraves (vigas mestras) que determinam o módulo da edificação como um todo.

Escalas

Complexos de refúgio de Tīzuk e Chāh Afḍal, província de Yazd, Irã. Planta por Hatef Naiemi, 2018
Figura 2: Complexos de refúgio de Tīzuk e Chāh Afḍal, província de Yazd, Irã. Planta por Hatef Naiemi, 2018

Composições clássicas

Ornamento e geometria

  • Mito da cabana primitiva e registro arqueológico: origem da arquitetura nas construções arquitravadas.
  • Porém, é equivocado pensar no templo grego como resultado direto de um antecedente “primitivo”. Essa interpretação afirma uma fantasia da excepcionalidade e originalidade grega que, como vimos, não tem fundamento arqueológico.
  • Grécia antiga se desenvolve como parte da esfera cultural do Mediterrâneo oriental e Oriente Médio montanhoso (da Itália à Pérsia).

Há também outras derivações da forma arquitetônica, em vários casos, menos atreladas a uma visão tão metafísica. Toma-se o processo tipológico do salão de palácios árabe/islâmico como contraponto, por não apresentar uma justificativa cósmica muito marcada. Trata-se simplesmente de uma série de derivações tradicionais oriundas de ajustes em elementos que já funcionam bem, conforme demandas surgidas com o tempo. Nesse caso, o papel do arquiteto seria de transmitir essa tradição adiante com as devidas adaptações necessárias, mas sem começar do zero. Esse processo torna certas formas estáveis no tempo, por terem atingido um ponto de solução bastante adequada às demandas de uma determinada época.

Uso das ordens clássicas

  1. Colunatas
  2. Sobreposição
  3. Pedestais
  4. Balaustradas e peitoris
  5. Aberturas
  6. Arcos e abóbadas
  7. Cúpulas
  8. Coberturas
  9. Ornamentos

Articulação e significado

Pureza e poluição

Aproximação às arquiteturas do sagrado: capitais móveis na China e no Japão, estruturas de culto temporárias ou periodicamente renovadas.

Elementos de composição

  1. Arcadas e colunatas
  2. Massas volumétricas
    • Cúpulas
    • Pátios
  3. Frente e fundos
  4. Sequências de composições
  5. Abraçar e enquadrar
  6. Coroamentos
  7. Miudezas
    • Ornamentos complementares
    • Rusticação

Indicação e composição tipológica

Mais cedo, estabelecemos os princípios da composição arquitetônica:

Esses princípios são realizados numa construção por meio da indicação e da composição.Curtis, Architectural Composition.

A indicação é como a aparência de uma edificação mostra o seu propósito, para que ele possa ser facilmente identificado na paisagem urbana e por quem entra nessa edificação. Já a composição consiste em proporcionar o tamanho e a forma de cada volume dentro da edificação, para que cada pessoa dentro dela identifique o seu objetivo e o percurso para chegar até ele, sem depender de placas.

Elementos de composição

Curtis.

  1. Vestíbulos e escadarias
  2. Salas

Fachadas

  1. Composição e articulação
  2. Fachadas como fundo
  3. Fachadas infinitas

Articulação e significado

Indicação: a casa

  • Processo tipológico da casa: do cômodo único à organização típica.
  • A habitação contemporânea de mercado também é tipológica.
  • Principais requisitos para a construção de uma morada vernácula tradicional são tempo e espaço; conjuntos de barracos feitos de materiais precários (chapa, tábua) emergem quando grandes contingentes não tem nem tempo para construir, nem espaço para manejar materiais que não custam nada (adobe, pau-a-pique).Celentano e Habert, “Beyond Materials”.

  • Emergência do conceito de doméstico por oposição a público, e consequente afirmação de papéis de gênero na casa.
  • Pandemia forçou retorno ao conceito de uma casa multifuncional.

Villa parcialmente fortificada na época romana tardia, séculos IV–VI
Figura 3: Villa parcialmente fortificada na época romana tardia, séculos IV–VI

Tipos de base e duplicações na edilícia de base do Mediterrâneo medieval, segundo Caniggia
Figura 4: Tipos de base e duplicações na edilícia de base do Mediterrâneo medieval, segundo Caniggia

Casa–salão do norte da Europa: construção em Burford, Inglaterra
Figura 5: Casa–salão do norte da Europa: construção em Burford, Inglaterra

Composição: a basílica

Atualmente, o que se tende a estudar da tradição europeia, em uma perspectiva cada vez mais histórica de sua arquitetura, é uma série de ideias e de modos de fazê-la e suas formas de transformação no tempo, sem a necessidade do estabelecimento de um percurso pré-determinado.

Isso conduz o olhar para algumas questões específicas da arquitetura europeia medieval, que oferecem interessantes perspectivas para a compreensão de como se atingiu uma certa cultura arquitetônica moderna. Esta, inclusive, está na origem da cultura arquitetônica brasileira atual, reforçando seu valor para estudo. Tal cultura da arquitetura medieval na Europa interessa também por uma série de soluções tecnológicas e construtivas e por certas ideias e maneiras de organizar a produção arquitetônica surgidas nesse período. Reforça-se ainda que é fundamental abandonar a concepção dessa arquitetura como resultado da morte daquela que foi realizada anteriormente (no período clássico), pois existe uma série de transformações graduais em sua produção.

Um bom exemplo para se entender a importância da associação entre indicação e composição é a basílica. Na Itália antiga, mais ou menos do século VI a.C. até o século III d.C., a basílica é um tipo de edifício cívico com várias funções administrativas e econômicas. Mas, a partir do século IV d.C., o tipo da basílica começa a ser usado também para construir os edifícios de culto do cristianismo.


A basílica antiga é uma forma do tipo da taberna (fig. 6), que representa o propósito social de suster a comunidade por meio da atividade econômica:Westfall, “Building Types”.

ela abriga, por exemplo, mercados, lojas permanentes e oficinas, mas também pode ser usada para escritórios administrativos que fiscalizam o dia-a-dia da sociedade.

Trata-se de uma forma essencialmente voltada para o bem-estar econômico da sociedade, que pode abrigar um mercado ou edifício administrativo cotidiano da cidade (como os pórticos gregos), funcionando quase que como um diagrama. Esse conceito de pórtico grego vai dar origem ou relacionar-se a um tipo similar, que é o da basílica romana. Nos fóruns do Império Romano, por exemplo, haverá configurações muito semelhantes a uma grande taberna, que abriga um espaçoso pórtico de mercado de um lado e, do outro, um edifício alongado com colunas internas.

Sete tipos edilícios. Baseado em Westfall, 1991
Figura 6: Sete tipos edilícios. Baseado em Westfall, 1991

Pórtico de Átalo na ágora de Atenas. Reconstituição do original da metade do século II a.C. segundo projeto de John Travlos e supervisão estrutural de Georgios Biris, 1953–1956. Foto: Pedro P. Palazzo, 2011
Figura 7: Pórtico de Átalo na ágora de Atenas. Reconstituição do original da metade do século II a.C. segundo projeto de John Travlos e supervisão estrutural de Georgios Biris, 1953–1956. Foto: Pedro P. Palazzo, 2011

Podemos retroceder até os stoa, os pórticos das cidades gregas que assumem da forma mais simples possível esse propósito. O exemplo canônico é o pórtico de Átalo, uma obra do período helenístico. figs. 7-9


Pórtico de Átalo. Planta do térreo: acervo da American School of Classical Studies at Athens, cota 2008.20.0061
Figura 8: Pórtico de Átalo. Planta do térreo: acervo da American School of Classical Studies at Athens, cota 2008.20.0061

Pórtico de Átalo. Corte perspectivado do projeto de John Travlos por W. H. Thompson & Phelps Barnum Architects, 1953. Acervo da American School of Classical Studies at Athens, cota 1997.08.0400
Figura 9: Pórtico de Átalo. Corte perspectivado do projeto de John Travlos por W. H. Thompson & Phelps Barnum Architects, 1953. Acervo da American School of Classical Studies at Athens, cota 1997.08.0400

A analogia de propósitos entre os pórticos da Grécia antiga e a basílica romana permite deduzir um tipo intermediário, de basílica só com duas naves. Esse tipo aparece em algumas colônias romanas na Gália e na península Ibérica no século I,Roth-Congès, “L’hypothèse d’une basilique à deux nefs à Conimbriga et les transformations du forum”.

por exemplo em Conimbriga. fig. 10

Fórum de Conimbriga com basílica de duas naves, Lusitânia romana (atual Portugal), final do século I a.C. Registro arqueológico por Anne Roth Congès, 1987
Figura 10: Fórum de Conimbriga com basílica de duas naves, Lusitânia romana (atual Portugal), final do século I a.C. Registro arqueológico por Anne Roth Congès, 1987

Basílica de Semprônio, fórum Romano, 169 a.C. Reconstituição digital: Susanne Muth, 2014
Figura 11: Basílica de Semprônio, fórum Romano, 169 a.C. Reconstituição digital: Susanne Muth, 2014

A basílica romana clássica é destinada à reunião de público em aglomerações organizadas ou não, mas em uma perspectiva muito distante da visão funcionalista moderna. Ela funcionaria como uma espécie de centro de convenções contemporâneo, mas que não depende da colocação ou retirada de divisórias e mobiliários para ser utilizada de diferentes maneiras.

Começando com as basílicas Emília e Semprônia, no século II a.C., vemos uma nova dinâmica dar forma a esse tipo edilício. Mais do que responder a necessidades materiais e utilitárias da sociedade romana, as basílicas começam a ser construídas como instrumentos de propaganda. Os políticos da República romana faziam essas obras públicas como forma de demonstrar beneficência; a monumentalidade das naves da basílica passa então a ser cada vez mais importante do que a utilidade das tabernas acopladas, como é o caso na basílica Semprônia (fig. 11).


A associação da basílica com a taberna, mas mais ainda a preeminência da basílica sobre a taberna, vai se tornar uma espécie de padrão no mundo romano, através da confirmação desse grande salão de congregação com espaços comerciais, a exemplo da Basílica Ulpia no Fórum de Trajano (fig. 12), formando um complexo de vários edifícios polivalentes (fig. 13). A indicação visual da importância da basílica se associa cada vez mais à complexidade da composição espacial para compatibilizar vários edifícios e propósitos num mesmo conjunto monumental.

Basílica Úlpia no fórum de Trajano, Roma, 105–107 d.C. Desenho: Julien Guadet, 1867
Figura 12: Basílica Úlpia no fórum de Trajano, Roma, 105–107 d.C. Desenho: Julien Guadet, 1867

Planta do fórum de Trajano em Roma. 3coma14, 2011
Figura 13: Planta do fórum de Trajano em Roma. 3coma14, 2011

A importância política que tem a monumentalidade da basílica cresce em paralelo com o papel da indicação. O que a indicação faz é articular plasticamente a importância do edifício no espaço público, por meio da riqueza das ordens clássicas e do programa escultórico associado (fig. 14).

Corte perspectivado da basílica Úlpia
Figura 14: Corte perspectivado da basílica Úlpia

Aula Palatina ou basílica de Constantino, Tréveris (atual Alemanha), 310 d.C. Foto: Berthold Werner, 2008
Figura 15: Aula Palatina ou basílica de Constantino, Tréveris (atual Alemanha), 310 d.C. Foto: Berthold Werner, 2008

A partir do século IV, esse propósito social da basílica começa a se transformar. Assim, um edifício como esse vai se tornar um tipo de salão do trono no período do imperador Constantino (fig. 15), por exemplo, quando este começa a ser visto como uma semi-divindade com autoridade absoluta. Desse modo, o que era um espaço de congregação livre, passa a ter um propósito único: estar na presença do imperador.


A partir daí, sua forma vai ser cooptada pela arquitetura cristã, pois suas funções de reunir pessoas e ter uma destinação singular tornam-na ideal para seu culto. Ainda que a prática religiosa cristã seja diferente da romana tradicional, alguns de seus templos serão convertidos em igrejas, sendo a basílica sua forma preferencial. O exemplo canônico é a antiga basílica de São Pedro, iniciada ainda durante o reinado do imperador Constantino (fig. 16).

Reconstituição digital da basílica primitiva de S. Pedro, Roma, c. 330
Figura 16: Reconstituição digital da basílica primitiva de S. Pedro, Roma, c. 330

basílica Úlpia
a
basílica de São Pedro
b

Figura 17: Basílica romana clássica e paleocristã, plantas por Banister Fletcher (sem escala). a – basílica Úlpia, b – basílica de São Pedro

Desse modo, encontra-se uma configuração relativamente padrão nesse grande salão com colunatas e um espaço central mais alto, que vai se transformar na sua axialidade, passando a ser acessado pelo lado mais curto e a ter uma perspectiva dominante voltada para o santuário ou altar (fig. 17). Essa forma vai acabar desdobrando-se em edificações mais sumárias e simples, que vão acompanhar a difusão do cristianismo em todas as comunidades da Europa medieval, inclusive rurais.


A basílica clássica só faz sentido a partir de um tamanhão relativamente amplo. Já a basílica cristã pode ser reduzida a dimensões muito modestas e, portanto, com uma forma bastante simplificada. Esse vai ser o caso das chamadas “igrejas visigóticas”. Elas têm esse nome porque foram construídas no reino dos visigodos, nos séculos VI e VII, principalmente no noroeste da península Ibérica. fig. 18

Igreja de Santa Comba de Bande (Galiza, Espanha), século VI ou VII. Foto: Pedro P. Palazzo, 2014
Figura 18: Igreja de Santa Comba de Bande (Galiza, Espanha), século VI ou VII. Foto: Pedro P. Palazzo, 2014

Igreja de Santa Comba de Bande, planta
Figura 19: Igreja de Santa Comba de Bande, planta

A igreja visigótica de Santa Comba de Bande é um exemplo dessas pequenas basílicas com naves muito estreitas (fig. 19).


Destaca-se que esse não é um processo guiado por um objetivo histórico de desenvolvimento das soluções construtivas ou de uma certa funcionalidade, reforçando-se também que ele não irá implicar em transformações súbitas na configuração arquitetônica. Sua função muda rapidamente, mas sua forma vai se transformando muito lentamente. Ressalta-se ainda que existirão elementos remanescentes nesse ínterim, como a configuração da basílica com três naves (uma central mais alta e as laterais mais baixas), como em Valdediós (figs. 20, 21) o uso eventual de abóbadas e a adoção de soluções arquitetônicas e construtivas romanas clássicas, que vão se transformando paulatinamente, conforme mudanças de gosto e localização geográfica.

Igreja de San Salvador, Valdediós (Leão, Espanha), 893. Foto: Ángel M. Felicísimo, 2008
Figura 20: Igreja de San Salvador, Valdediós (Leão, Espanha), 893. Foto: Ángel M. Felicísimo, 2008

Igreja de San Salvador. Planta: Ch1902, 2008
Figura 21: Igreja de San Salvador. Planta: Ch1902, 2008

Nas proximidades da península Ibérica, na igreja da abadia de Sant Miquel de Cuixà (fig. 22), por exemplo, mantém-se uma lógica muito elementar da basílica com três naves, arcadas e colunas romanas, com uma construção quase inteiramente feita em pedra (cantaria e aparelhada).

O mesmo processo é observado na arquitetura residencial, que também vai se transformando a partir do modelo da casa ou da fazenda romanas para atingir soluções como a casa salão (Europa do norte) e a casa geminada (na Europa ocidental mediterrânea).

Essas transformações não dizem respeito ao fim da arquitetura clássica, sendo necessário criar algo para substituí-la, mas sim a um processo que vai se desenrolando gradualmente sem grande intencionalidade.

Igreja da abadia de Sant Miquel de Cuixà, condado de Barcelona (atual sul da França), 956–974. Planta: Jochen Jahnke, 2011
Figura 22: Igreja da abadia de Sant Miquel de Cuixà, condado de Barcelona (atual sul da França), 956–974. Planta: Jochen Jahnke, 2011

Igreja da abadia de Sant Miquel de Cuixà. Foto: H. Zell, 2019
Figura 23: Igreja da abadia de Sant Miquel de Cuixà. Foto: H. Zell, 2019

Característico perfil das igrejas basilicais com naves laterais mais baixas e coberturas em meia-água (fig. 23).


Igreja da abadia de Sant Miquel de Cuixà. Foto: GO69, 2014
Figura 24: Igreja da abadia de Sant Miquel de Cuixà. Foto: GO69, 2014

Catedral de Santiago de Compostela

Igreja gótica

Atenção: o conceito de basílica como tipo edilício não tem qualquer relação com o título de Basílica atribuído na Igreja Católica a certas igrejas que abrigam relíquias importantes.

Ofícios da construção

Constituição e regulamentação em diferentes culturas.

Expertise profissional

Como os elementos serão realmente produzidos no mundo prático, ou seja, como a própria ideia de arquitetura, enquanto disciplina técnica e artística, leva à reflexão sobre o que significa produzi-la (quais as ações necessárias para a construção de um edifício). Encaminha-se também para o âmbito da própria organização do trabalho e, ainda mais amplamente, para todas as relações sociais em torno da produção de uma edificação.

É a partir desse sistema que serão realizadas reflexões sobre as ordens clássicas, ressaltando-se a importância da clareza de que elas não representam um mero enfeite a ser colocado no edifício pronto para torná-lo mais elegante e dignificado. Na arquitetura contemporânea esse princípio se enfraquece, encontrando-se exemplares de “colagem” de ornamentos clássicos em edificações, que não seguem uma lógica tradicional.

Nesse contexto tradicional, nota-se uma espécie de representação do que será realmente definido como arquitetura, a partir das ordens clássicas, na cultura do Mediterrâneo antigo, medieval e renascentista.

Torna-se fundamental, então, reafirmar a concepção da arquitetura como construção, de modo a incluir todo o universo do ambiente construído dentro de seu domínio, inclusive os ambientes virtuais contemporâneos e a criação de paisagens naturais. Esse também é o ponto de partida do que vai se tornar a cultura arquitetônica brasileira moderna, por razões históricas, colonialistas e demográficas.

Por outro lado, essa tradição também apresenta uma definição um pouco mais estrita e excludente de arquitetura. Por exemplo, sob a perspectiva do Vitrúvio, ela não é simplesmente o ambiente construído, mas um ofício em primeiro lugar. Porém, não há problema em desconsiderar essa definição vitruviana no âmbito inicial dessa disciplina, pois ela visa a compreender todos os processos produtivos da arquitetura tradicional, englobando, portanto, elementos que extrapolam essa caracterização.

Como existe um conceito de arquiteto que vai se tornar dominante na organização social e do trabalho de várias culturas da bacia do Mediterrâneo, também será necessário utilizar a palavra arquitetura para se referir a esse ofício como concebido por Vitrúvio. Nascidas na Grécia antiga e relegadas ao mundo romano, as ordens clássicas formam uma importante parte desse ofício, por representarem um modo de explicitar certas ações de concepção do edifício. Elas se classificam em dórica, jônica e coríntia, surgindo as ordens estruturadas e organizadas em outro sistema comparativo das cinco ordens clássicas após o Renascimento, e entendendo-se que elas formam um conjunto que descreve todo o Classicismo monumental.

Destaca-se que um sistema como esse faz uma série de operações intelectuais em paralelo, iniciando-se pelo fato de que é o arquiteto quem domina esse esquema, o que se torna seu maior timbre de erudição de certo modo. Para Vitrúvio, saber desenhar essas ordens é uma marca da distinção social e cultural do arquiteto em alguma medida.

Se fosse apenas por essa razão, o interesse pelas ordens clássicas seria bastante limitado e pouco capaz de interessar aos clientes. Por isso, elas também adquirem outras funções, ainda girando em torno da figura do arquiteto e de sua atuação. Uma delas é o seu uso como sistema de controle de proporções dos edifícios, tomando o diâmetro da coluna como base por exemplo. Esses diferentes sistemas de proporções foram codificados por Vitrúvio, de acordo com cada tipo de coluna, tornando-se mais completos no Renascimento. Em geral, não se trata apenas da proporção da coluna com seu entablamento, mas da proporção da composição do edifício como um todo, pois é necessário pensar também no espaço entre essas colunas e sua eventual sobreposição, conforme necessidades específicas da edificação. Trata-se de uma malha proporcional mais complexa e refinada, com particularidades e detalhes que também devem ser proporcionados ao conjunto.

A principal característica do ofício da arquitetura na visão de Vitrúvio e no sistema arquitetônico do Mediterrâneo antigo e medieval, em geral, é esse planejamento do edifício de um modo menos óbvio e direto, quanto pensado por um construtor menos erudito. Isso quer dizer que, quando se fala na arquitetura tradicional sem um sistema proporcional complexo (como o das ordens clássicas), está se pensando em um conhecimento artesanal que se transmite de forma relativamente espontânea, ainda que resultante de um processo de ensino e aprendizado estruturados. Trata-se de soluções que não envolveriam tantos problemas, contando com malhas relativamente simples, que ocupam o espaço disponível e operam por múltiplos de um módulo dimensional básico (a exemplo do palmo aberto usado contemporaneamente, com cerca de 22 cm); ou por malhas triangulares que são muito comuns nas tradições arquitetônica mediterrâneas.

Já no caso das ordens clássicas, surgem desdobramentos de regras e minúcias que só se explicam pela própria vontade de estabelecer um sistema ordenado em todas as escalas, até os mínimos detalhes. Relembra-se que se originam de uma visão da construção como reflexo do macrocosmos, baseada na concepção da existência de uma ordem geométrica no universo, que se rebate no edifício e deve ser coerente em todas as suas escalas. Apresenta-se, nesse ponto, as particularidade do ofício da arquitetura como aquele que irá adotar as restrições impostas por essas regras e encontrar a solução para aplicá-las na composição edilícia. Esses são os principais aspectos das ordens clássicas na arquitetura do Mediterrâneo tradicional, acrescentando-se algumas questões tangentes a esses problemas centrais, como a noção mais geral de que elas são uma representação da construção.

Na Grécia antiga e talvez no mundo toscano e do Egito antigo, as ordens clássicas representam literalmente uma forma de construção. Entretanto, elas se tornarão uma maneira simbólica de construir principalmente no Império Romano, ou seja, uma forma de destacar a importância da construção através da exibição dessas ordens. Isso se daria não apenas como marcador da sua composição proporcional, mas como um modo de indicar que o edifício não está completo enquanto não mostrar essa malha. Trata-se da garantia da composição de um sistema proporcional nos mínimos detalhes, portanto, com uma lógica de articulação em todas as escalas.

Como elementos canônicos dessas ordens, destacam-se: a divisão principal entre pedestal, coluna e entablamento; a divisão da coluna em base, fuste e capitel; a divisão do entablamento em arquitrave, friso e cornija; a divisão da arquitrave em três bandas horizontais e da cornija em modilhões, pingadeira e cimalha (conforme a ordem), etc., além das decorações escultóricas. Nessa configuração, estão sendo resolvidos não apenas problemas de construção (no sentido estrito, de composição e de dimensionamento dos ambientes e volumes), como também na perspectiva da criação de um lugar perfeito em suas proporções e completude em alguma medida.

Em suma, do ponto de vista vitruviano, ser arquiteto representaria não deixar faltar nada ou desconsiderar nenhum dos aspectos necessários para a edificação. Assim, o uso das ordens clássicas permitiria a explicitação dessa preocupação, através da resolução de tudo nos mínimos detalhes.

Obra grossa e acabamento

  • Mediterrâneo antigo: pedras com talha preliminar são assentadas na sua posição definitiva, e depois o detalhe é esculpido em todas de modo contínuo para disfarçar as juntas: distinção pedreiro vs entalhador.
  • Mediterrâneo medieval: cada pedra é talhada separadamente na sua forma final, às vezes por equipes diferentes, e assentada já na sua forma final: pedreiro é entalhador.

Bibliografia

Buras, Nir Haim. The Art of Classic Planning: Building Beautiful and Enduring Communities. Cambridge, Mass.: The Belknap Press of Harvard University Press, 2019.
Celentano, Giulia, e Guillaume Habert. “Beyond Materials: The Construction Process in Space, Time and Culture in the Informal Settlement of Mathare, Nairobi”. Development Engineering 6 (1º de janeiro de 2021): 100071. https://doi.org/10.1016/j.deveng.2021.100071.
Curtis, Nathaniel Cortlandt. Architectural Composition. Cleveland, Oh.: J. H. Janson, 1923.
Gabriel, J. François. Classical Architecture for the Twenty-First Century: An Introduction to Design. New York: W.W. Norton, 2004.
Roth-Congès, Anne. “L’hypothèse d’une basilique à deux nefs à Conimbriga et les transformations du forum”. Mélanges de l’école française de Rome 99, nº 2 (1987): 711–51. https://doi.org/10.3406/mefr.1987.1566.
Westfall, Carroll William. “Building Types”. Em Architectural Principles in the Age of Historicism, organizado por Carroll William Westfall e Robert Jan van Pelt, 138–67. New Haven: Yale University Press, 1991.

Atualizado em: